sábado, 15 de fevereiro de 2014

Tão querendo melar a copa, Mas a galera não vai deixar!

Tão querendo melar a copa,
Mas a galera não vai deixar!
Tão querendo melar a copa,
Mas a galera não vai deixar!

Olê ,olá...
Venham ver o  Brasil brilhar...

Urubú , ô bicho feio,
Pára logo de grasnar!
Sai de perto , vai s’embora,
Que a torcida quer cantar!

Olê ,olá...
Venham ver o  Brasil brilhar...

Mostra aí, meu povo lindo,
Mostra aí, oh seleção,
Quero ver  todo mundo rindo
Quero ver muito jogão

Olê ,olá...
Venham ver o  Brasil brilhar...

Tão querendo melar a copa,
Mas a galera não vai deixar!
Tão querendo melar a copa,
Mas a galera não vai deixar!

Profetas do pânico: os grupos que patrocinam a campanha anticopa

http://www.cartamaior.com.br/?%2FColuna%2FVai-ter-Copa-argumentos-para-enfrentar-quem-torce-contra-o-Brasil%2F30090

Existe uma campanha orquestrada contra a Copa do Mundo no Brasil. A torcida para que as coisas deem errado é pequena, mas é barulhenta e até agora tem sido muito bem sucedida em queimar o filme do evento.

Tiveram, para isso, uma mãozinha de alguns governos, como o do estado do Paraná e da prefeitura de Curitiba, que deram o pior de todos exemplos ao abandonarem seus compromissos com as obras da Arena da Baixada, praticamente comprometida como sede.

A arrogância e o elitismo dos cartolas da Fifa também ajudaram. Aliás, a velha palavra “cartola” permanece a mais perfeita designação da arrogância e do elitismo de muitos dirigentes de futebol do mundo inteiro.

Mas a campanha anticopa não seria nada sem o bombardeio de informação podre patrocinado pelos profetas do pânico.

O objetivo desses falsos profetas não é prever nada, mas incendiar a opinião pública contra tudo e contra todos, inclusive contra o bom senso.

Afinal, nada melhor do que o pânico para se assassinar o bom senso.

Como conseguiram azedar o clima da Copa do Mundo no Brasil

O grande problema é quando os profetas do pânico levam consigo muita gente que não é nem virulenta, nem violenta, mas que acaba entrando no clima de replicar desinformações, disseminar raiva e ódio e incutir, em si mesmas, a descrença sobre a capacidade do Brasil dar conta do recado.

Isso azedou o clima. Pela primeira vez em todas as copas, a principal preocupação do brasileiro não é se a nossa seleção irá ganhar ou perder a competição.

A campanha anticopa foi tão forte e, reconheçamos, tão eficiente que provocou algo estranho. Um clima esquisito se alastrou e, justo quando a Copa é no Brasil, até agora não apareceu aquela sensação que, por aqui, sempre foi equivalente à do Carnaval.

Se depender desses Panicopas (os profetas do pânico na Copa), essa será a mais triste de todas as copas.

“Hello!”: já fizemos uma copa antes

Até hoje, os países que recebem uma Copa tornam-se, por um ano, os maiores entusiastas do evento. Foi assim, inclusive, no Brasil, em 1950. Sediamos o mundial com muito menos condições do que temos agora.

Aquela Copa nos deixou três grandes legados. O primeiro foi o Maracanã, o maior estádio do mundo – que só ficou pronto faltando poucos dias para o início dos jogos.

O segundo, graças à derrota para o Uruguai (“El Maracanazo”), foi o eterno medo que muitos brasileiros têm de que as coisas saiam errado no final e de o Brasil dar vexame diante do mundo - o que Nélson Rodrigues apelidou de “complexo de vira-latas”,  a ideia de que o brasileiro nasceu para perder, para errar, para sofrer.

O terceiro legado, inestimável, foi a associação cada vez mais profunda entre o futebol e a imagem do país. O futebol continua sendo o principal cartão de visitas do Brasil – imbatível nesse aspecto.

O cartunista Henfil, quando foi à China, em 1977, foi recebido com sorrisos no rosto e com a única palavra que os chineses sabiam do Português: “Pelé” (está no livro “Henfil na China”, de 1978).

O valor dessa imagem para o Brasil, se for calculada em campanhas publicitárias para se gerar o mesmo efeito, vale uma centena de Maracanãs. 

Desinformação #1: o dinheiro da Copa vai ser gasto em estádios e em jogos de futebol, e isso não é importante

O pior sobre a Copa é a desinformação. É da desinformação que se alimenta o festival de besteiras que são ditas contra a Copa.

Não conheço uma única pessoa que fale dos gastos da Copa e saiba dizer quanto isso custará para o Brasil. Ou, pelo menos, quanto custarão só os estádios. Ou que tenha visto uma planilha de gastos da copa.

A “Copa” vai consumir quase 26 bilhões de reais.

A construção de estádios (8 bi) é cerca de 30% desse valor.

Cerca de 70% dos gastos da Copa não são em estádios, mas em infraestrutura, serviços e formação de mão de obra.

Os gastos com mobilidade urbana praticamente empatam com o dos estádios.

O gastos em aeroportos (6,7 bi), somados ao que será investido pela iniciativa privada (2,8 bi até 2014) é maior que o gasto com estádios.

O ministério que teve o maior crescimento do volume de recursos, de 2012 para 2013, não foi o dos Esportes (que cuida da Copa), mas sim a Secretaria da Aviação Civil (que cuida de aeroportos).

Quase 2 bi serão gastos em segurança pública, formação de mão de obra e outros serviços.

Ou seja, o maior gasto da Copa não é em estádios. Quem acha o contrário está desinformado e, provavelmente, desinformando outras pessoas.

Desinformação #2: se deu mais atenção à Copa do que a questões mais importantes

Os atrasos nas obras pelo menos serviram para mostrar que a organização do evento não está isenta de problemas que afetam também outras áreas. De todo modo, não dá para se dizer que a organização da Copa teve mais colher de chá que outras áreas. 

Certamente, os recursos a serem gastos em estádios seriam úteis a outras áreas. Mas se os problemas do Brasil pudessem ser resolvidos com 8 bi, já teriam sido.

Em 2013, os recursos destinados à educação e à saúde cresceram. Em 2014, vão crescer de novo. 

Portanto, o Brasil não irá gastar menos com saúde e educação por causa da Copa. Ao contrário, vai gastar mais. Não por causa da Copa, mas independentemente dela.

No que se refere à segurança pública, também haverá mais recursos para a área. Aqui, uma das razões é, sim, a Copa.

Dados como esses estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso (nas referências ao final está indicado onde encontrar mais detalhes).  

Se alguém quiser ajudar de verdade a melhorar a saúde e a educação do país, ao invés de protestar contra a Copa, o alvo certo é lutar pela aprovação do Plano Nacional de Educação, pelo cumprimento do piso salarial nacional dos professores, pela fixação de percentuais mais elevados e progressivos de financiamento público para a saúde e pela regulação mais firme sobre os planos de saúde.

Se quiserem lutar contra a corrupção, sugiro protestos em frente às instâncias do Poder Judiciário, que andam deixando prescrever crimes sem o devido julgamento, e rolezinhos diante das sedes do Ministério Público em alguns estados, que andam com as gavetas cheias de processos, sem dar a eles qualquer andamento.

Marchar em frente aos estádios, quebrar orelhões públicos e pichar veículos em concessionárias não tem nada a ver com lutar pela saúde e pela educação.

Os estádios, que foram malhados como Judas e tratados como ícones do desperdício, geraram, até a Copa das Confederações, 24,5 mil empregos diretos. Alto lá quando alguém falar que isso não é importante.

Será que o raciocínio contra os estádios vale também para a Praça da Apoteose e para todos os monumentos de Niemeyer? Vale para a estátua do Cristo Redentor? Vale para as igrejas de Ouro Preto e Mariana? 

Havia coisas mais importantes a serem feitas no Brasil, antes desses monumentos extraordinários. Mas o que não foi feito de importante deixou de ser feito porque construíram o bondinho do Pão-de-Açúcar? 

Até mesmo para o futebol, o jogo e o estádio são, para dizer a verdade, um detalhe menos importante. No fundo, estádios e jogos são apenas formas para se juntar as pessoas. Isso sim é muito importante. Mais do que alguns imaginam. 

Desinformação #3: O Brasil não está preparado para sediar o mundial e vai passar vexame

Se o Brasil deu conta da Copa do Mundo em 1950, por que não daria conta agora? 

Se realizou a Copa das Confederações no ano passado, por que não daria conta da Copa do Mundo? 

Se recebeu muito mais gente na Jornada Mundial da Juventude, em uma só cidade, porque teria dificuldades para receber um evento com menos turistas, e espalhados em mais de uma cidade?

O Brasil não vai dar vexame, quando o assunto for segurança, nem diante da Alemanha, que se viu rendida quando dos atentados terroristas em Munique, nos Jogos Olímpicos de Verão de 1972; nem diante dos Estados Unidos, que sofreram atentados na Maratona Internacional de Boston, no ano passado.

O Brasil não vai dar vexame diante da Itália, quando o assunto for a maneira como tratamos estrangeiros, sejam eles europeus, americanos ou africanos.

O Brasil não vai dar vexame diante da Inglaterra e da França, quando o assunto for racismo no futebol. Ninguém vai jogar bananas para nenhum jogador, a não ser que haja um Panicopa no meio da torcida. 

O Brasil não vai dar vexame diante da Rússia, quando o assunto for respeito à diversidade e combate à homofobia.

O Brasil não vai dar vexame diante de ninguém quando o assunto for manifestações populares, desde que os governadores de cada estado convençam seus comandantes da PM a usarem a inteligência antes do spray de pimenta e a evitar a farra das balas de borracha.

Podem ocorrer problemas? Podem. Certamente ocorrerão. Eles ocorrem todos os dias. Por que na Copa seria diferente? A grande questão não é se haverá problemas. É de que forma nós, brasileiros, iremos lidar com tais problemas.

Desinformação #4: os turistas estrangeiros estão com medo de vir ao Brasil 

De tanto medo do Brasil, o turismo para o Brasil cresceu 5,6% em 2013, acima da média mundial. Foi um recorde histórico (a última maior marca havia sido em 2005).

Recebemos mais de 6 milhões de estrangeiros. Em 2014, só a Copa deve trazer meio milhão de pessoas. 

De quebra, o Brasil ainda foi colocado em primeiro lugar entre os melhores países para se visitar em 2014, conforme o prestigiado guia turístico Lonely Planet (“Best in Travel 2014”, citado nas referências ao final).

Adivinhe qual uma das principais razões para a sugestão? Pois é, a Copa.


Desinformação #5: a Copa é uma forma de enganar o povo e desviá-lo de seus reais problemas

O Brasil tem de problemas que não foram causados e nem serão resolvidos pela Copa.

O Brasil tem futebol sem precisar, para isso, fazer uma copa do mundo. E a maioria assiste aos jogos da seleção sem ir a estádios. 

Quem quiser torcer contra o Brasil que torça. Há quem não goste de futebol, é um direito a ser respeitado. Mas daí querer dar ares de “visão crítica” é piada.

Desinformação #6: muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, o que é um grave problema

É verdade, muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, mas isso não é um grave problema. Tem até um nome: chama-se “legado”.

Mas, além do legado em infraestrutura para o país, a Copa provocou um outro, imaterial, mas que pode fazer uma boa diferença. 

Trata-se da medida provisória enviada por Dilma e aprovada pelo Congresso (entrará em vigor em abril deste ano), que limita o tempo de mandato de dirigentes esportivos.

A lei ainda obrigará as entidades (não apenas de futebol) a fazer o que nunca fizeram: prestar contas, em meios eletrônicos, sobre dados econômicos e financeiros, contratos, patrocínios, direitos de imagem e outros aspectos de gestão. Os atletas também terão direito a voto e participação na direção. Seria bom se o aclamado Barcelona, de Neymar, fizesse o mesmo.

Estresse de 2013 virou o jogo contra a Copa

Foi o estresse de 2013 que virou o jogo contra a Copa. Principalmente quando aos protestos se misturaram os críticos mascarados e os descarados.

Os mascarados acompanharam os protestos de perto e neles pegaram carona, quebrando e botando fogo. Os descarados ficaram bem de longe, noticiando o que não viam e nem ouviam; dando cartaz ao que não tinha cartaz; fingindo dublar a “voz das ruas”, enquanto as ruas hostilizavam as emissoras, os jornalões, as revistinhas e até as coitadas das bancas.

O fato é que um sentimento estranho tomou conta dos brasileiros. Diferentemente de outras copas, o que mais as pessoas querem hoje saber não é a data dos jogos, nem os grupos, nem a escalação dos times de cada seleção.  

A maioria quer saber se o país irá funcionar bem e se terá paz durante a competição. Estranho. 

É quase um termômetro, ou um teste do grau de envenenamento a que uma pessoa está acometida. Pergunte a alguém sobre a Copa e ouça se ela fala dos jogos ou de algo que tenha a ver com medo. Assim se descobre se ela está empolgada ou se sentou em uma flecha envenenada deixada por um profeta do apocalipse.

Todo mundo em pânico: esse filme de comédia a gente já viu

Funciona assim: os profetas do pânico rogam uma praga e marcam a data para a tragédia acontecer. E esperam para ver o que acontece. Se algo “previsto” não acontece, não tem problema. A intenção era só disseminar o pânico e o baixo astral mesmo.

O que diziam os profetas do pânico sobre o Brasil em 2013?  Entre outras coisas:

Que estávamos à beira de um sério apagão elétrico.

Que o Brasil não conseguiria cumprir sua meta de inflação e nem de superávit primário.

Que o preço dos alimentos estava fora de controle.

Que não se conseguiria aprontar todos os estádios para a Copa das Confederações.

O apagão não veio e as termelétricas foram desligadas antes do previsto. A inflação ficou dentro da meta. A inflação de alimentos retrocedeu. Todos os estádios previstos para a Copa das Confederações foram entregues.

Essas foram as profecias de 2013. Todas furadas.

Cada ano tem suas previsões malditas mais badaladas. Em 2007 e 2008, a mesma turma do pânico dizia que o Brasil estava tendo uma grande epidemia de febre amarela. Acabou morrendo mais gente de overdose de vacina do que de febre amarela, graças aos profetas do pânico.

Em 2009 e 2010, os agourentos diziam que o Brasil não estava preparado para enfrentar a gripe aviária e nem a gripe “suína”, o H1N1. Segundo esses especialistas em catástrofes, os brasileiros não tinham competência nem estrutura para lidar com um problema daquele tamanho. Soa parecido com o discurso anticopa, não?

O cataclismo do H1N1 seria gravíssimo. Os videntes falavam aos quatro cantos que não se poderia pegar ônibus, metrô ou trem, tal o contágio. Não se poderia ir à escola, ao trabalho, ao supermercado. Resultado? Não houve epidemia de coisa alguma.

Mas os profetas do pânico não se dão por vencidos. Eles são insistentes (e chatos também). Quando uma de suas profecias furadas não acontece, eles simplesmente adiam a data do juízo final, ou trocam de praga.

Agora, atenção todos, o próximo fim do mundo é a Copa. “Imagina na Copa” é o slogan. E há muita gente boa que não só reproduz tal slogan como perde seu tempo e sua paciência acreditando nisso, pela enésima vez. 

Para enfrentar o pessoal que é ruim da cabeça ou doente do pé

O pânico é a bomba criada pelos covardes e pulhas para abater os incautos, os ingênuos e os desinformados.

Só existe um antídoto para se enfrentar os profetas do pânico. É combater a desinformação com dados, argumentos e, sobretudo, bom senso, a principal vítima da campanha contra a Copa.

Informação é para ser usada. É para se fazer o enfrentamento do debate. Na escola, no trabalho, na família, na mesa de bar.

É preciso que cada um seja mais veemente, mais incisivo e mais altivo que os profetas do pânico. Eles gostam de falar grosso? Vamos ver como se comportam se forem jogados contra a parede, desmascarados por uma informação que desmonta sua desinformação.

As pessoas precisam tomar consciência de que deixar uma informação errada e uma opinião maldosa se disseminar é como jogar lixo na rua. 

Deixar envenenar o ambiente não é um bom caminho para melhorar o país.

A essa altura do campeonato, faltando poucos meses para a abertura do evento, já não se trata mais de Fifa. É do Brasil que estamos falando.

É claro que as informações deste texto só fazem sentido para quem as palavras “Brasil” e “brasileiros” significam alguma coisa.

Há quem por aqui nasceu, mas não nutre qualquer sentimento nacional, qualquer brasilidade; sequer acreditam que isso existe. Paciência. São os que pensam diferente que têm que mostrar que isso existe sim.

Ter orgulho do país e torcer para que as coisas deem certo não deve ser confundido com compactuar com as mazelas que persistem e precisam ser superadas. É simplesmente tentar colocar cada coisa em seu lugar.

Uma das maneiras de se colocar as coisas no lugar é desmascarar oportunistas que querem usar da pregação anticopa para atingir objetivos que nunca foram o de melhorar o país.

O pior dessa campanha fúnebre não é a tentativa de se desmoralizar governos, mas a tentativa de desmoralizar o Brasil.

É preciso enfrentar, confrontar e vencer esse debate. É preciso mostrar que esse pessoal que é profeta do pânico é ruim da cabeça ou doente do pé.

(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política e torcedor da Seleção Brasileira de Futebol desde sempre.

Mais sobre o assunto:

Controladoria Geral da União atualiza a planilha com todos os gastos previstos para a Copa, os já realizados e os por realizar, em seu portal:


Os dados do orçamento da União estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso.  

O “Best in Travel 2014”, da Lonely Planet, pode ser conferido aqui.

Sobre copa e anticopa, vale a pena ler o texto do Flávio Aguiar, “Copa e anti-copa”, aqui na Carta Maior: 

Sobre o catastrofismo, também do Flávio Aguiar: “Reveses e contrariedades para a direita”, na Carta Maior.

Sobre os protestos de junho e a estratégia da mídia, leiam o texto do prof. Emir Sader, "Primeiras reflexões".

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

E em contrapartida ao post anterior: A desigualdade americana

http://www.cartacapital.com.br/revista/784/a-desigualdade-americana-1349.html/

A desigualdade americana (por Belluzzo)

Em seu livro A Consciência de um Liberal, Paul Krugman apelidou de “Grande Compressão” o período de intensa redução das desigualdades encravado entre os anos 30 e início da década dos 60. Esse fenômeno foi sustentado por quatro forças: 1. A sindicalização incentivada por Roosevelt impulsionou a elevação dos salários reais. 2. O Social Security Act de 1935 fortaleceu o consumo de massa ao proteger os mais débeis dos problemas criados pela insegurança econômica. 3. A elevação da carga tributária e o caráter progressivo dos impostos transferiram renda dos mais ricos para os mais pobres e remediados. 4. A baixa intensidade da concorrência externa permitiu às empresas manter os investimentos no âmbito doméstico e abiscoitar os lucros proporcionados pela sustentação da demanda interna.

A arquitetura capitalista desenhada nos anos 30 sobreviveu no pós-Guerra e, durante um bom tempo, ensejou a convivência entre estabilidade monetária, crescimento rápido e ampliação do consumo dos assalariados e dos direitos sociais. Entre 1947 e 1973, na era do Big Government, como a denominou o economista keynesiano Hyman Minsky, o rendimento real da família americana típica praticamente dobrou. O sonho durou 30 anos e as classes trabalhadoras gozaram de uma prosperidade sem precedentes.

A pretexto de reduzir o papel do Estado na economia, as políticas neoliberais destravaram as forças da desigualdade.  Nos Estados Unidos, entrou em voga nos anos 80 a “economia da oferta” e sua filha dileta, a curva de Laffer, que preconizavam a redução de impostos para os ricos “poupadores” e empresas. Os adeptos da supply side economics decretaram a ineficácia dos sistemas de tributação progressiva da renda, que, segundo eles, promoviam o desincentivo à produção e à poupança geradora de novo investimento. A macroeconomia de Ronald Reagan defendia a tese do “gotejamento”: as camadas trabalhadoras e os governos receberiam os benefícios da riqueza acumulada livremente pelos abonados empreendedores sob a forma de salários crescentes e aumento das receitas fiscais.

A enrolação do gotejamento não entregou o prometido. A migração da grande empresa para as regiões de baixos salários, a desregulamentação financeira e a prodigalidade de isenções e favores fiscais para as empresas e para as camadas endinheiradas não promoveram a esperada elevação da taxa de investimento no território americano e, ao mesmo tempo, produziram a estagnação dos rendimentos da classe média para baixo, a persistência dos déficits orçamentários e o crescimento do endividamento público e privado. A procissão de desenganos foi acompanhada da ampliação dos déficits em conta corrente e da transição dos Estados Unidos de país credor para devedor.

A crise da classe média americana não é fruto da Grande Recessão, iniciada em 2008, mas é um fenômeno de longo prazo. Desde 1973 até 2010, o rendimento de 90% das famílias americanas cresceu 10% em termos reais, enquanto os ganhos dos situados na faixa dos super-ricos – a turma do 1%  superior – triplicaram. Pior ainda: a cada ciclo a recuperação do emprego é mais lenta e, portanto, maior é a pressão sobre os rendimentos dos assalariados.

Os lucros foram gordos para os senhores da finança e para as empresas empenhadas no outsourcing e na “deslocalização” das atividades para as regiões de salários “competitivos”. Obama e seus economistas salvaram Wall Street da derrocada financeira, mas não responderam às demandas dos americanos atormentados, em sua maioria, pelas perspectivas de um crescimento pífio do emprego e dos salários. A lenta recuperação da economia americana não consegue oferecer aos seus cidadãos soluções críveis para atenuar as desgraças da anomia social e da destruição dos nexos básicos da sociabilidade, inclusive os familiares.

Mobilidade do capital financeiro e, ao mesmo tempo, centralização do capital produtivo à escala mundial. Essa convergência suscitou os surtos intensos de demissões de trabalhadores, a eliminação dos melhores postos de trabalho, a maníaca obsessão com a redução de custos.

Não se trata de nenhuma inevitabilidade tecnológica. Foram, de fato, gigantescos os avanços na redução do tempo de trabalho exigido para o atendimento das necessidades, reais e imaginárias, da sociedade. Mas os resultados mesquinhos em termos de criação de novos empregos e de melhora das condições de vida só podem ser explicados pelo peculiar metabolismo das economias capitalistas, sob o império da competição desbragada e das finanças globais desreguladas.

Desigualdade de Renda no Brasil cai 80% na última década

De 2000 a 2010 aconteceu algo inédito no Brasil: em 80% dos municípios, a desigualdade de renda entre seus habitantes diminuiu. O fato é ainda mais relevante porque reverteu uma tendência histórica. Na década anterior, a desigualdade medida pelo índice de Gini aumentara em 58% das cidades brasileiras.
Clique abaixo para ver:
Mapa da involução da desigualdade na década

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Por que a Polícia é ... Militar?

'Problema maior da polícia brasileira é a mentalidade militar de reagir à violência com violência.'

Paul Chevigny, professor emérito da Escola de Direito da New York University e estudioso americano da atuação da polícia.

 Lúcia Guimarães - O Estado de S. Paulo
A conduta do Departamento de Polícia de Nova York, o NYPD, foi um tema central da campanha política de 2013 e ajudou a eleger o prefeito Bill de Blasio. Não foi, portanto, surpresa a decisão que De Blasio anunciou na quinta-feira: a cidade vai indicar um monitor para o NYPD e dar fim à disputa judicial de 14 anos sobre a prática de stop and frisk, deter e revistar, que uma juíza considerou altamente discriminatória contra minorias. O novo prefeito cumpriu uma promessa de campanha e espera autorização judicial para chegar a um acordo com os nova-iorquinos que processaram a cidade por se sentir intimidados pela polícia.
Desde o 11 de Setembro, a questão do policiamento em Nova York pode se confunde com o terrorismo e serve de licença para suspender críticas aos excessos. "Terrorismo é a palavra mágica", diz Paul Chevigny, professor emérito da Escola de Direito da New York University. Ele é autor, entre outros, do clássico Poder da Polícia, Abusos Policiais em Nova York (1969). A pedido da organização Human Rights Watch, Chevigny produziu o estudo Abusos Policiais no Brasil (1990) e, em 1995, publicou O Fio da Navalha - Violência Policial nas Américas, em que dedica um capítulo à polícia de São Paulo. Chevigny acha que a polícia de Nova York, embora cometa erros e injustiças, é competente para lidar com multidões, uma experiência que acumulou a partir dos protestos contra a Guerra do Vietnã, na década de 1960. "Quando querem", diz ele, "agem com eficiência e correção." Na entrevista a seguir ele faz também uma avaliação das polícias brasileiras, que conhece de perto.

O sr. está surpreso com as manifestações no Brasil, já que não visita o País desde os anos 1990?
Não. O que temos é a clássica revolução das expectativas elevadas. O PT fez um bom trabalho, aumentando o grau de consciência dos brasileiros sobre seu direito de protestar contra o governo e eles não esperam ser reprimidos. O público está se comportando diante da desigualdade como se esperava. O motivo dos protestos do ano passado, contra o preço das passagens de ônibus, é típico. São pequenas questões econômicas como essas que servem de impulso para grandes protestos. Eu li que agentes da polícia teriam se infiltrado nas manifestações. Considero isso grave. Mas se o Fabrício Chaves, baleado na semana passada, enfrentou policiais com um canivete, a polícia não cometeu crime ao atirar nele, ainda que possa ter agido de maneira incompetente.

Como se policia multidões sem violência?
Sou um libertário, defensor dos direitos civis. Acredito que a polícia deva ser mais competente na coleta de informações, na inteligência. Monitorar uma multidão, tirar fotos, se forem autorizadas, identificar quem está se misturando a um protesto para se aproveitar e começar um quebra-quebra. E, da próxima vez, a polícia pode isolar os violentos. Mas isso é trabalho intenso. Não dá para policiar uma manifestação, se surpreender com a violência e sair prendendo indiscriminadamente. O protesto seguinte vai ser pior, os manifestantes vão ter mais raiva da polícia e se tornar alvo da violência.

Seria mais fácil municipalizar a polícia?
Não acho que a questão mais importante seja a polícia ser ou não controlada pelo governo do Estado. É ser militar. É a mentalidade militar, de reagir à violência com violência, ou como eu tanto ouvia, "acabar com os vagabundos". Lembro das manifestações contra o presidente Collor, as primeiras em larga escala desde o fim da ditadura. Foram pacíficas. Eu estava acompanhado de um ex-oficial da polícia numa delas e ele ficou de queixo caído: "Nunca vi nada parecido no Brasil". Havia um clima de festa e unidade contra o presidente.

O sr. testemunhou tolerância social à violência da polícia de São Paulo?
Esse é o problema. Parte da população espera que o controle social seja feito através da violência. Quando fazia pesquisa no Brasil, perguntava: "E o problema da violência policial?" Cientistas sociais respondiam: "Ninguém se importa". Violência policial não é um tema de protesto social no Brasil. Quantas vezes ouvi "ladrão tem que morrer". Apesar da democracia, a noção da sociedade liberal não parece se estender ao policiamento. Então, quando a polícia mata a sociedade encara isso como um preço a pagar. É absurdo. O dever da polícia é proteger e salvar vidas, não ser dura. E junte-se a isso a desconfiança de que a lei não se aplica a todos. Quando trabalhei no Brasil, a polícia sabia que eu era adversário dela, estava lá para investigar seu trabalho e eles me tratavam muito bem. Afinal, eu era um "doutor."

Por que os americanos querem bem, de maneira geral, às suas polícias?
Os casos de violência grave não são tão comuns. O fato de que são polícias municipais faz com que a população pense mais no policial como "um de nós", não um agente de um Estado distante. Mas aqui há divisões. A polícia de Nova York é bem mais apreciada do que a de Los Angeles. Você vê um policial nova-iorquino falando com uma criança, ele é afetuoso. Eu não acho que policiais americanos, a não ser o desequilibrado, uma exceção, acreditem que cabe a eles matar um bandido só porque ele é bandido. Eles acreditam que seu papel seja proteger a população e só atirar sob ameaça. A cultura policial que vi no Brasil, a do "pode atirar, esse cara não vale nada", não prevalece aqui. A polícia nos Estados Unidos mata porque a ação é justificada ou porque cometeu um erro sério de avaliação: o negro estava ameaçando a mulher branca. E depois descobrem que o sujeito nem estava armado. É o erro motivado por discriminação. Isso acontece, sim, com frequência.

Obtido de:

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,no-fio-da-navalha,1125620,0.htm

Todos os direitos reservados ao jornal 'O Estado de São Paulo'. A cópia da entrevista se deve única e exclusivamente para atender aos que não tem acesso ao jornal.

E a publicidade começa a divorciar-se da mulher...

Outras Palavras, 25/9/2013 
Realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, a pesquisa “Representações das mulheres nas propagandas na TV” revela a existência de um conflito entre o que os espectadores veem e o que gostariam de ver nas publicidades exibidas na televisão. Para 56% dos entrevistados, homens e mulheres, as propagandas na TV não mostram as brasileiras reais. Para a pesquisa, foram realizadas 1.501 entrevistas com homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 10 e 18 de maio deste ano.
Na avaliação do diretor do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, o distanciamento entre a representação da mulher feita nos comerciais e a realidade prejudica os anunciantes, que perdem o principal mercado de consumo. “A mulher quer uma comunicação que a inspire a melhorar um pouco mais de vida, mas não a deixar de ser quem ela é. E quando as empresas vendem um aspiracional que está longe de ser desejado e possível para essa mulher, ou ela se frustra ou simplesmente conclui que esse produto não é para ela e cria uma barreira em relação a ele”, considera. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
As mulheres são responsáveis por 85% das decisões sobre o consumo doméstico e representam uma massa de renda de R$ 1,1 trilhão. Por que, na sua avaliação, a opinião dessa parcela tão significativa do mercado é de certa forma ignorada pela publicidade na TV e pelos anunciantes em geral?
Renato Meirelles – Quando falamos de uma mulher que movimenta R$ 1,1 trilhão por ano e determina 85% do consumo da família não estamos falando de um nicho consumidor, mas do principal mercado consumidor brasileiro. E se a propaganda não fala com essa mulher, está dando um tiro no pé. Hoje o mercado publicitário não sabe como falar com um mercado de R$ 1,1 trilhão.
O Data Popular sempre estudou muito a classe C e descobrimos que, nos últimos anos, quem mudou o Brasil não foi a classe C, foi a mulher. A mulher que, nos últimos 20 anos, enquanto percentual da população, cresceu 36% e aumentou sua participação no mercado de trabalho em 162%. É como se todo o estado do Rio Grande do Sul entrasse no mercado da mão-de-obra de trabalho feminino. Com mais dinheiro, essa mulher passou a decidir ainda mais sobre o consumo da casa e a chefiar um número maior de lares. Hoje, 38% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Mas esse processo de empoderamento feminino pela via do consumo e da renda é ainda recente e equivale ao papel dos homens dez anos atrás. Mas não temos nenhuma ilusão de que isso acabou com as desigualdades de gênero e preconceitos em geral, e muito menos entre os publicitários e anunciantes. Assim, vemos um conjunto de produtos e serviços que muitas vezes são consumidos pelo homem, mas é a mulher quem compra; só que as empresas olham para o homem, e não para a mulher que decide a compra.
Estamos falando de uma miopia das agências de publicidade, que têm entre os seus criativos, em boa parte, homens que dialogam com o universo masculino e ainda acreditam que a aspiração dessa nova mulher é ser como as europeias: altas, brancas, cabelos lisos. Não entendem que, junto com a renda, aumentou também a autoestima dessas mulheres, e elas querem se ver representadas nos meios de comunicação.
Nesse sentido, a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, revela exatamente o contrário, que a mulher brasileira não se vê na publicidade televisiva. Na sua opinião, que outros elementos, além do mundo masculino da criação publicitária e do crescimento ainda recente do papel da mulher brasileira no mercado consumidor, explicam esse distanciamento entre as propagandas e as mulheres brasileiras, que é percebido inclusive pelos homens?
R.M. – A mulher brasileira está envelhecendo, é majoritariamente negra e tem muito mais curvas que a média das mulheres do mundo. Mas as agências de publicidade trabalham com um ideal de beleza do passado, de mulheres altas, magras, loiras e de olhos claros. Esse padrão de beleza, que durante anos foi o aspiracional de parte considerável dos brasileiros, fazia sentido na propaganda de 20 anos atrás, sob a lógica publicitária. Só que, com a melhora do nível de vida de milhões de brasileiras nos últimos anos, elas querem se ver efetivamente representadas.
Mas as agências não trabalham com essa nova realidade, que tem como lógica o aspiracional possível. A mulher quer uma comunicação que a inspire a melhorar um pouco mais de vida, mas não a deixar de ser quem ela é. E quando as empresas vendem um aspiracional que está longe de ser desejado e possível para essa mulher, ou ela se frustra ou simplesmente conclui que esse produto não é para ela e cria uma barreira em relação a ele. Portanto, não se trata de ser politicamente correto ou incorreto, mas de ter uma comunicação que funcione ou não. E essa nova mulher brasileira não se vê em nenhum tipo de comunicação que não a represente. Da mesma forma que os brasileiros hoje vão às ruas afirmar que os políticos não os representam, essa propaganda também não representa as mulheres brasileiras.
Por que os anunciantes incorrem nessa postura se eles também fazem pesquisas sobre o perfil dos consumidores antes de contratar campanhas publicitárias?
R.M. – Infelizmente, temos visto que algumas agências de propaganda adotam um processo de planejamento para justificar a criação, e não o contrário. Assim, alguém tem uma ideia baseada no aspiracional do passado e depois o planejamento tenta justificar isso, mas sempre com a lógica do aspiracional antigo. E não percebem que essa lógica não funciona mais. O boca-a-boca influencia sete em cada 10 mulheres na hora das compras e isso tem que ser levado em conta, porque se a mulher não se vê, ela vai falar mal daquela marca ou produto, ou não vai fazer a propaganda boca-a-boca.
Então, para conquistar essa nova mulher, a função da propaganda é, em primeiro lugar, criar identidade; em segundo lugar, inspirar essa mulher a melhorar de vida, se sentir mais bonita e feliz; e, em terceiro lugar, gerar propaganda boca a boca. E se você não começa do início, que é a criação da identidade, não consegue criar os outros dois pilares do retorno de investimento. Isso acontece porque parte das equipes de criação das agências publicitárias, que vêm das elites, não entende essa nova consumidora.
A maioria dos entrevistados afirma que gostariam de ver mais mulheres negras e de classe popular nas propagandas na TV. Por outro lado, 67% avaliam que a mulher é mostrada como ativa e 43% como inteligente. Isso mostra também uma mudança na propaganda brasileira?
R.M. – A pesquisa permite que a gente diferencie as questões da forma e do conteúdo nas propagandas. Essa busca por apresentar uma mulher mais inteligente e que se aceite, do ponto de vista do conteúdo, começa a existir e já é percebida. Por outro, a questão da forma, o padrão estético, não avançou na mesma velocidade que a questão do conteúdo. Então, você vê atrizes falando que são mulheres independentes, que valorizam a conquista e o mérito próprio, que estão subindo na vida e que se veem como mulheres inteligentes. Mas a estética valorizada ainda é a do passado.
E o que temos visto é que isso acontece porque a elite que aprova os anúncios diz: “ah, mas isso está muito feio”, ou: “precisa ser uma coisa mais bonita”. E na visão dessa elite que aprova o anúncio a beleza ainda segue o padrão europeu, porque ela própria é branca, tem olhos claros e ainda dialoga com esses padrões que sempre foram privilegiados no mercado consumidor. Então, publicitários e anunciantes entendem os valores universais e novos, da inteligência, da independência, da opinião dessa nova mulher, mas na hora de aprovar o anúncio não conseguem seguir isso.
Isso explica também a invisibilidade das mulheres negras na propaganda?
R.M. – Se existe uma dissonância cognitiva entre forma e conteúdo na publicidade, pode-se dizer que houve um avanço no conteúdo e persiste uma carência gigantesca na forma. Só que isso não justifica a questão racial. Os negros são 52% da população e movimentam R$ 720 bilhões em consumo por ano. E o aspiracional do negro não é ser branco. Então, é uma miopia do ponto de vista de oportunidades de negócios que a consumidora negra seja apresentada como a empregada doméstica e não como a mulher que decide e está no mercado de trabalho exercendo múltiplas funções. E não se trata apenas de uma necessidade de identidade, mas de um direito da consumidora que, graças à ida para o mercado formal de trabalho, quer se enxergar na comunicação. A falta de entendimento dessa mudança gera essa miopia no mercado publicitário, que leva a dar menos valor à marca e faz com que o anunciante não otimize o seu investimento publicitário. Isso prejudica a construção da marca e faz com que as empresas tenham prejuízo graças a uma comunicação malfeita.
Na grande maioria das vezes, as pessoas que criam e aprovam os anúncios vêm das classes A e B. E elas tendem a fazer coisas que as agradem, e não que agrade o consumidor final. A mesma coisa acontece nas escolas, onde boa parte dos professores traz um conhecimento acadêmico que levou anos para ser construído e tem a ver com o Brasil do passado. E esse conhecimento acaba sendo reproduzido. Isso está mudando porque hoje a classe C está entrando maciçamente no ensino superior e trazendo consigo a sua história. E se tem uma coisa que aprendemos em 12 anos do Data Popular é que é muito mais fácil pegar alguém que veio de uma camada social mais baixa e fazer com que ela entenda de marketing do que fazer com que a classe A entenda de povo.
Mas nem tudo é negativo. Já existem empresas que sabem usar as informações atuais. A Dove, por exemplo, avançou ao falar de beleza de outro jeito. A Danone avança ao usar a Dira Paes como garota propaganda, assim como a C&A, com a Preta Gil ou a Gabi Amarantos, dialoga com esse novo Brasil.
É preciso entender de povo e que nesse povo estão os negros e as negras.
R.M. – Sim, porque não tem como falar nas classes C e D sem falar dos negros. De cada 10 pessoas que saíram da classe D e foram para a classe C, 8 são negros. Foram os negros os grandes responsáveis pela ascensão econômica do Brasil. Embora por mais que a desigualdade no Brasil tenha diminuído ela ainda seja gigantesca: 3/4 das classes A e B são brancos e 3/4 das classes D e E são negros. Então, quando falamos das classes C e D, estamos falando necessariamente do consumidor e da consumidora negros. E os anunciantes não estão enxergando isso, que é a intenção de consumo. Com R$ 720 bi dá para comprar milhares denotebooks e laptops. E os anunciantes não vão olhar para isso?
A pesquisa aponta também uma percepção de frustração das mulheres quando não conseguem ter seu corpo e/ou sua beleza mostradas nas propagandas na TV. Como você analisa esse dado?
R.M. – Ao não se enxergar na grande mídia, ela se sente uma mulher “invisível”. Por isso as personagens de novela que fazem mais sucesso são as que têm mais curvas, as mais “desbocadas”, que dialogam mais, não só na forma, mas também no conteúdo, com essa nova mulher brasileira. Por isso novelas como Avenida Brasilfazem tanto sucesso, assim como atrizes como a Dira Paes, porque fisicamente ela se parece mais com a nova mulher e as personagens que ela tem feito se parecem mais com essa mulher batalhadora. Entender essa junção de forma e conteúdo é muito importante.
Por último, gostaria que você, pensando no mundo dos publicitários e anunciantes, apontasse quais são os dados da pesquisa que merecem mais destaque, que o pessoal de criação precisa entender.
R.M. – Em primeiro lugar, que a mulher decide. E essa mulher decide através da identificação com a propaganda, e faz propaganda boca a boca daquilo que ela acredita. Como se vê na pesquisa, avançamos muito do ponto de vista do conteúdo, mas é preciso avançar muito do ponto de vista da forma para conquistar esse mercado de R$ 1,1 trilhão. Para as agências fazerem isso, têm que, além de ouvir mais essa nova mulher brasileira, ter nas suas equipes pessoas que são oriundas desse novo Brasil. Enquanto a comunicação for feita por uma elite, aprovada por uma elite, para vender para o restante, acho que temos poucas chances de avançar.
O Data Popular teve a oportunidade – e o Instituto Patrícia Galvão faz isso como missão – de estudar o quanto ainda existe de preconceito e desigualdade (de renda, de gênero e racial) no nosso país. Parece-nos meio óbvio falar da importância de ser plural nesse universo da propaganda. Mas o mérito da pesquisa não é falar o óbvio, é mostrar como as empresas perdem dinheiro ao não entender o óbvio, que não tem a ver com o politicamente correto ou o que sai nos relatórios de responsabilidade social. O óbvio tem a ver com o mercado. Se as empresas não olharem para esse mercado que mudou no Brasil, que é o mercado da mulher, elas estarão longe de conseguir efetivamente fazer uma grande transformação na sua comunicação e explorar o potencial econômico que isso tem.
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Luciana Araújo é jornalista 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A curiosa preocupação da direita de que o plebiscito popular desvie as manifestações

http://www.brasildefato.com.br/node/27369


Estranho. O que seria o "foco" das manifestações? Por que o principal porta voz do pensamento da direita está tão preocupado que "não se desvie o foco" das manifestações?


06/02/2014


Por Ricardo Gebrim
Antigos tratados militares sempre ensinam que não é fácil identificar o inimigo, pois parte do seu esforço será sempre de se esconder. É uma lição válida para a luta política.

No Brasil, as forças populares possuem um precioso mecanismo de saber qual é a posição do inimigo. Basta ler a Revista VEJA. Se ela te atacar, saiba que está no caminho certo, mas, caso te elogie, comece a se preocupar...

A Revista VEJA lança o artigo: "Plebiscito - O Golpe da Consulta Popular", no qual ataca a iniciativa de mais de 160 dos principais movimentos sociais e organizações de esquerda em construir um Plebiscito Popular em setembro, com uma única pergunta: "você é a favor da convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?". Até aí, nada demais. Apenas a comprovação de que essa proposta incomoda demais as forças de direita.

O curioso é um dos argumentos utilizados. O objetivo do Plebiscito é o de  "desviar o foco das manifestações e servir ao projeto de poder do PT."

Estranho. O que seria o "foco" das manifestações? Por que o principal porta voz do pensamento da direita está tão preocupado que "não se desvie o foco" das manifestações?

Não é preciso muito para perceber que o pavor da direita é que a juventude que saiu às ruas em junho de 2013, com uma clara insatisfação com o atual sistema político brasileiro, assuma uma bandeira clara como a da Constituinte do Sistema Político.

Se isso ocorrer, a grande mídia não conseguirá promover a mesma disputa política e ideológica de junho de 2013, cujo exemplo maior foi a "luta contra a PEC 37".

A direita sabe que o descontentamento com a falência do atual sistema político esteve presente nos milhares de pequenos cartazes, palavras de ordem e pichações. Sabe que uma palavra de ordem como a Constituinte Soberana do Sistema Política pode ganhar força e tornar-se uma ameaça real ao seu poder.

Para tanto, utiliza a tese de que a bandeira da Constituinte é um mero jogo do PT para manter-se no governo. Ou, nas suas palavras: "servir ao projeto do PT". Ignoram, propositalmente que a campanha é muito mais ampla e que congrega a maior parte das forças de esquerda. Querem, claramente, impedir que a juventude disposta a lutar não se aproprie de uma bandeira política.

Este será um grande debate político ideológico para as forças de esquerda. A Revista VEJA já mostrou a linha política que utilizarão.

Aprendemos nas jornadas de junho de 2013 que a direita aprendeu a disputar com as forças de esquerda os mesmos metros quadrados nas manifestações. Este ensinamento deve ser incorporado na tática das forças populares. Provavelmente se repetirá nas novas manifestações que o ano promete.

O temor de que a insatisfação ainda difusa da juventude com o sistema político se traduza numa palavra de ordem que ameaça seus interesses deixa claro que combaterão ao máximo essa campanha, tentando sempre mostrá-la como algo que serve eleitoralmente somente ao PT e não ao conjunto das forças interessadas em aprofundar a democracia.

Não se pode vacilar neste debate. Nunca, em nenhuma situação histórica, a lógica política da esquerda pode coincidir com a do inimigo. E, afinal como diziam os velhos sábios chineses, quem não sabe contra quem luta, jamais poderá vencer.