terça-feira, 23 de junho de 2015

Agricultura familiar em foco

Dilma assina decretos de regularização de terras quilombolas e beneficia 2,3 mil famílias

Para garantir a posse da terra a famílias quilombolas, a presidenta Dilma Rousseff assinou, nesta segunda-feira (22), dez decretos de desapropriação de terras para regularização de territórios quilombolas. A medida, que beneficia 2 352 famílias, foi tomada durante a cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-2016, no Palácio do Planalto.
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Presidenta Dilma assina decretos de desapropriação para regularização de territórios quilombolas. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Segundo a presidenta, essa decisão faz justiça a essa população, com quem o País tem uma dívida histórica. “É muito importante uma agricultura familiar e uma política comprometida em garantir a igualdade de tratamento aos vários segmentos que fazem a diversidade dos nossos agricultores familiares. Nós hoje demos ênfase aos decretos de regularização de terras quilombolas, que garantirão a essas populações, além de direitos, a base para seu trabalho”, disse.
Ela lembrou que, no século passado, entre a população recenseada, mesmo que muitos escravos não tenham sido computados, a grande maioria da população que integrava o povo brasileiro era de escravos. E que foram alguns escravos fugidos que criaram os quilombos. “Nada mais justo que nós, hoje, assinemos o decreto de regularização de suas terras”, enfatizou.
Diversidade e promoção da igualdade
A agricultura familiar é também diversidade e promoção da igualdade, acrescentou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias. Ele apontou algumas medidas importantes para incentivar o desenvolvimento econômico de povos e comunidades tradicionais, além da regularização fundiária de territórios quilombolas.
Entre elas está o apoio à comercialização para as famílias extrativistas por meio do Programa de Garantia de Preços Mínimos da Sociobiodiversidade e do programa Ecoforte Extrativismo, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Fundação Banco do Brasil. O governo também ofertará assistência técnica específica para 33.400 famílias, incluindo os próprios quilombolas, além de indígenas, pescadores artesanais e extrativistas.
Mulheres
Dilma Rousseff e Patrus Ananias destacaram que o governo vai aprofundar a capacitação de mulheres, buscando a igualdade de gênero, direitos e oportunidades, para o acesso ao crédito. “Nós vamos continuar apoiando as mulheres. Aliás, acho que as mulheres agricultoras familiares têm papel essencial na agroindústria”, disse a presidenta, afirmando que o governo vai garantir que 50% do público atendido pela assistência técnica e extensão rural públicas seja de mulheres agricultoras.
Também será assegurada a destinação de 30% dos recursos de assistência técnica, mais de R$ 100 milhões, a atividades específicas para a promoção econômica das mulheres. O governo ainda ampliará o número de mulheres beneficiadas pelo Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, que tem sido o primeiro passo da inclusão produtiva de muitas mulheres. Por meio desse programa, 100 mil mulheres vão receber 250 mil novos documentos, como carteira de trabalho, identidade e inclusão no Cadastro Único do Governo Federal.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Refugiados no Brasil fazem vídeo de esclarecimento e agradecimento

Fonte: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/refugiados-gravam-musica-e-video-em-que-agradecem-abrigo-no-brasil.html

Um grupo de refugiados que mora em São Paulo gravou uma música e um videoclipe  (clicar no link para assistir, va a pena!)) em que contam por que saíram de seus países e agradecem o abrigo que receberam no Brasil. A principal vontade dos participantes foi explicar o que é um refugiado e quebrar o preconceito que muitas vezes sofrem.
A produção do vídeo, que durou 10 meses, teve participação de mais de 50 refugiados de 12 países - como Síria, Nigéria e Congo - em todas as suas etapas, como composição da música, roteiro e edição de imagens.
No vídeo, os refugiados simulam sua chegada a São Paulo e falam sobre o que sofriam em sua terra natal, citando casos de perseguição e guerra. “O Brasil nos dá mais segurança. Nós somos muito mais felizes agora”, cantam. Ao final, eles agradecem a hospitalidade no país.
usar só na matéria do vídeo - Em vídeo, refugiados que moram em São Paulo sacodem bandeiras de seus países na Praça da Sé (Foto: Reprodução/ Refugees in Brazil)
Uma das cenas foi gravada na Praça da Sé, em São Paulo. Imagem feita por um drone mostra os refugiados balançando as bandeiras de seus respectivos países.
O projeto Refugees in Brazil ("Refugiados no Brasil") foi um dos escolhidos pelo programa Youth Initiative (“Iniciativa Jovem”, em inglês) do Acnur, a Agência para Refugiados da ONU para sair do papel.
As reuniões foram feitas com o apoio da Caritas Arquidiocesana de São Paulo, que tem programas de acolhimento e integração de refugiados.

sábado, 6 de junho de 2015

Racismo à brasileira

O depoimento abaixo foi publicado no Facebook.

Era setembro de 1996. Eu tinha 21 anos, era recém-casado e tinha um filho recém-nascido. Estava sem emprego e sem dinheiro. Cursava o último ano da graduação de História na USP. Tinha pouca experiência profissional e havia mandado meu currículo para um sem número de escolas da capital e da grande São Paulo. Em outubro, recebi um telefonema para o início de um processo seletivo em um dos mais tradicionais colégios de São Paulo.
Às 15:00 de uma terça-feira eu e outras dezenas de candidatos fomos confinados em uma enorme sala de aula. Sentei-me no fundo da sala, como sempre havia feito quando era aluno. Uma senhora de avental azul entrou na sala com um pacote de provas. O processo seletivo se iniciou com uma simples prova de conhecimentos da área de História. Fui alertado, pela mesma senhora, que qualquer erro faria o candidato ser eliminado. Com a ajuda de alguns candidatos as provas foram distribuídas e recebemos todos o tempo de uma hora e meia para responder vinte questões dissertativas de vestibular.
Uma semana e meia depois dessa avaliação fui comunicado de que havia sido aprovado para a próxima fase do processo seletivo. Agora deveria ser submetido a testes psicológicos. Nesse momento me municiei de um enorme sentimento de desprezo por essa escola e esse sistema seletivo. Talvez isso tenha sido um mecanismo de auto-defesa, não sei… A verdade é que fui para esses testes com enorme confiança e dois dias depois fui informado que havia sido aprovado também nesse processo.
A escola estava agora entre dois candidatos – assim fui informado por telefone – e seria entrevistado pela direção da escola e o coordenador da área. Minha entrevista foi marcada para as 16:00h. Fui de metrô até a Vila Mariana e cheguei bem adiantado, por volta das 15:30h (algo típico de São Paulo, pois o caos no transporte público nos faz ser sempre prevenidos e, por isso, por vezes chega-se muito adiantado ou muito atrasado a um compromisso, mas quase nunca pontualmente).
Quando cheguei, fui informado pela secretária que a entrevista com o outro candidato ainda não havia acabado. Isso significa que me encontraria pessoalmente com o meu “concorrente”. Confesso que estava nervoso. Eu precisava muito daquele emprego… Ele seria um divisor de águas para minha carreira. Tentava, entretanto, me consolar – caso não fosse aprovado – com o fato de já ter ido longe demais para alguém que nem mesmo era formado em História. Entretanto, isso ainda não havia me acalmado…
Eram 15:50h quando o outro candidato acabou a entrevista e abriu a porta da direção. Eu o conhecia de vista. Era também da USP. Diferentemente de mim, ele já era formado em História. Mais que isso, tinha mestrado e doutorado. Era um aluno da pós-graduação de um dos melhores professores daquela Faculdade, o professor Elias Thomé Salibas. Eu já havia assistido algumas palestras desse meu “concorrente” na própria universidade.
Ele era inteligente, falava muito bem e era muito bem apresentável. Quando ele me viu, abriu um sorriso e perguntou: “Ei! Você não é um bicho da Hsitória?” estendi minhas mãos, o cumprimentei e cordialmente respondi, “Sou… Você é aluno do Elias, não é…?” Ele confirmou, nos despedimos e ele partiu.
Nesse momento me senti absolutamente aliviado… Mais que isso me senti feliz… Pois tinha agora a certeza de que havia conseguido aquele emprego… Por maiores que fossem as qualidades profissionais de meu “oponente” sobre as minhas qualidades, por mais esmagadora que fosse a superioridade de seu currículo em relação ao meu, eu sabia que eu tinha conseguido finalmente aquele emprego.
Tudo por uma simples razão: meu “concorrente” tinha uma pequena diferença em relação a mim, ele era negro. E eu sabia que aquela escola – frequentada pela mais alta elite paulistana, reacionária e branca – nunca empregaria um negro como professor, principalmente porque eu, o outro candidato, era branco e de olhos verdes.
Saí da entrevista com os diários de classe, uma jornada de 32 horas aulas semanais e um excelente salário. Ao longo da “entrevista” todas as minhas desvantagens se tornaram vantagens. Eu era jovem e inexperiente, assim – segundo a diretora e a coordenadora – poderia me tornar um professor do jeito que a escola queria.
Na verdade, fui contratado porque eu era branco e de olhos verdes e o outro candidato era negro e de olhos negros. Não nego os meus méritos pessoais de ter chegado até aquele momento. Estudava (e estudo) muito, tive esperteza e fui eloquente.
Mas aquele candidato era muito superior a mim em todos os aspectos profissionais que poderíamos aplicar. Seu único “problema” era ser negro. Fosse eu o doutor e ele o jovem promissor, meu “concorrente” não teria nem mesmo passado pelos testes psicológicos. Ele apenas foi tão longe porque apesar de ser negro, tinha um currículo excelente e era uma pessoa formidável.
Após lecionar nessa escola minha vida seguiu adiante… Mudei de cidade… Abri um cursinho na sala da minha casa que iniciou-se com apenas dezesseis alunos… Hoje sou um empresário e a escola tem mais de setecentos alunos… Seria muito fácil eu contar uma linda história de mim mesmo de “empreendedorismo” e “genialidade”… Mas a verdade é que tudo isso só foi possível devido ao esforço coletivo de todos os professores e funcionários que trabalharam e trabalham comigo.
Por acaso tive alguns méritos pessoais? Possivelmente sim… Em outros casos, alguns decisivos, tenho certeza que fui julgado pela minha aparência.
Tudo nos leva, enfim, a um final de tarde na cidade de Bauru. Estava frio e começava a garoar. Dirigia pela rua Araújo Leite em direção à minha residência. Na minha frente havia um carro BMW. Era possível ver com clareza que o condutor era branco de cabelos castanhos, sua esposa era loira e seu filho (loirinho) estava no banco traseiro apoiando seus braços entre os bancos dianteiros, certamente conversando com os pais.
O carro acelerou e ultrapassou uma carroça conduzida por um casal com seu filho fazendo o mesmo gesto do garoto da BMW, só que na carroça todos eram negros… estavam no relento e desagasalhados. Enquanto a BMW assumia a frente da carroça acompanhei atentamente a cena se fechando e se encaixando… Tudo perfeitamente… Como um contínuo processo que explicava a trágica essência desse país, dessa sociedade e de minha e de outras milhares de vidas… Vi tudo através de meus olhos verdes…

Carlos D'Incao