sexta-feira, 24 de julho de 2015

Essa Lava Jato...

Do Brasil 247
Lava Jato pode se tornar um castelo de cartas?
Ao decidir mudar-se para  Miami e abandonar três clientes no meio do processo, a advogada Beatriz Catta Preta coloca um imenso ponto de interrogação sobre a Lava Jato.
Cabe perguntar: a fortaleza do juiz Sérgio Moro pode se transformar num castelo de cartas?
Falo isso pensando na denúncia de uma escuta clandestina na cela que o doleiro Alberto Youssef e o executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa ocuparam ao chegar a carceragem em Curitiba. Constitui um caso grave, digno de reflexão sobre os métodos empregados na Lava Jato, certo? Até porque pelo menos outras duas escutas ilegais -- envolviam conversa entre advogado e cliente -- foram usadas.
O mesmo ocorre, agora, com a advogada que assinou nove das 18 delações premiadas da Lava Jato.
Convém não esquecer que estamos diante de um processo no qual as delações premiadas são o principal recurso para acusar e condenar. Nessa atividade, a criminalista Catta Preta atuou no coração das investigações e teve um papel essencial, pela qualidade e pela quantidade.
Foi ela que assumiu a defesa de Paulo Roberto Costa, quando este decidiu transformar-se em delator e negociar uma pena branda em troca de um dedo duro, numa guinada que deu uma nova dimensão à Operação. A advogada negociou mais oito depoimentos, sempre na mesma linha. Catta Preta advoga para o prolongado corrupto Pedro Barusco e também para Augusto Ribeiro de Mendonça, que deu um testemunho detalhado usado para incriminar João Vaccari Neto.
Nos últimos dias, um de seus clientes, Julio Camargo, deu um novo depoimento sobre a Lava Jato e, desta vez, incriminou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, num pedido de propina de US$ 5 milhões. Dez meses atrás, em outro depoimento, ele não havia tocado no assunto. O próprio Cunha diz que Julio Camargo foi forçado a mentir pelo PGR Rodrigo Janot.
O advogado Nelio Machado, criminalista experiente e respeitado do Rio de Janeiro, que advoga para o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, envolvido no depoimento de Julio Camargo, observa que "uma mudança de depoimento é muito estranha."
Há outras coisas estranhas. Dividindo a maioria das delações premiadas com Figueiredo Basto, advogado do doleiro Alberto Youssef, o desempenho de Beatriz Catta Preta sempre chamou a atenção pela quantidade de clientes que foi capaz de defender. A delação premiada é um instrumento que, mesmo reconhecido pela legislação, não deixa de provocar críticas de vários juristas respeitados a começar pela credibilidade de uma pessoa encarcerada.
Já a atuação de uma só advogada na preparação de nove depoimentos, de nove encarcerados, coloca perguntas ainda mais sérias.
O próprio Nelio Machado questiona: "vamos raciocinar em tese. O princípio da delação é que um réu deixa de se defender e passar a acusar. Se você tem um único advogado para defender tantos clientes, o risco de um conflito de interesses é evidente. A acusação de um sempre irá esbarrar na defesa de outro. Como é que um mesmo advogado irá atuar para defender as duas partes? Não consigo imaginar", diz Nelio Machado, adversário doutrinário das delações.
Aquilo que na vida das pessoas comuns se chama conflito de interesses, no mundo dos advogados é classificado como "patrocínio infiel." Se um advogado defende dois clientes num mesmo caso, pode ser enquadrado num crime que prevê pena de seis meses a três anos de prisão, mais multa.
Para entender melhor a situação, é possível dar um exemplo inocente. Toda pessoa que, na infância, participou de um brinquedo chamado "telefone sem fio" sabe o que acontece com uma frase retransmitida por nove bocas e ouvidos diferentes. Entre crianças, é muito divertido perceber como as palavras mudam de sentido. Todos riem e continuam se divertindo.
Entre adultos, as coisas não são tão divertidas assim, ainda mais quando se trata de pessoas acusadas de um crime, sob o risco de pagar multas pesadas e enfrentar uma longa temporada no cárcere. Neste caso, o jogo só dá certo quando se encontra uma narrativa neste telefone sem fio que seja do interesse de todos e também possa fazer sentido para a Justiça.
Supondo por hipótese que ninguém está mentindo, quem escolhe o que é bom para um cliente e não irá prejudicar o outro? Quem administra tantos interesses para que todos fiquem satisfeitos? Alguém faz acertos, negocia com as partes?
Há outro aspecto, importante. O artigo 2 da lei que define a "Colaboração Premiada" diz que ela deve permanecer em segredo até a apresentação da denúncia. Antes disso, só pode ser conhecida pelo juiz, pelo advogado, pelo Ministério Público. Alguém acredita que essa regra está sendo respeitada nessa promiscuidade de advogados, delegados, procuradores, jornalistas?
Deu para entender o tamanho da confusão, certo?

terça-feira, 21 de julho de 2015

A cidade para a dimensão humana, eis o nome da canção

Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco)
Velocidades mais baixas para cidades mais humanas e seguras
No site da Companhia de Engenharia de Tráfego estão descritas as razões da redução de velocidade nas marginais do Rio Tietê e Pinheiros (veja aqui). Trata-se de um assunto técnico do âmbito da engenharia de tráfego. Logo, nada mais sensato e prudente ouvir exatamente a empresa que reúne um dos melhores quadros de engenheiros de tráfego do país.
Que a velocidade é uma das principais causas de acidente de trânsito e, dentre as causas, é a que gera os maiores danos, muitos países já sabem. O Relatório do IRTAD (International Traffic Safety Data and Analyis Groups) editado pelo International Transport Forum,organismo vinculado à OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development), que organiza informações de programas de segurança viária e estatística de acidentes em mais de 30 países (europeus, asiáticos e norte-americanos), mostra que em todos eles foram adotadas medidas de redução dos limites de velocidade em todas as vias urbanas para, pasmem, 50 km/h. São países que, ao contrário do nosso, vem reduzindo paulatinamente as mortes no trânsito há décadas.
Estudos indicam que reduções de velocidade levam a redução de mortes e feridos e que, ao contrário, o aumento conduz a mais mortes e mais feridos, como indica a tabela (Elvicat al, 2004) [i] :
Variação da Velocidade Média
Redução de Velocidade
Aumento de Velocidade
-10%
-5%
-1%
1%
5%
10%
Gera mudança em:

Mortes
-38%
-21%
-4%
+5%
+25%
+54%
Feridos Graves
-27%
-14%
-3%
+3%
+16%
+33%
Outros Ferimentos
-15%
-7%
-1%
+2%
+8%
+10%
Danos Materiais
-10%
-5%
-1%
+1%
+5%
+5%
Experiências realizadas em São Paulo e em outras cidades brasileiras também já confirmaram esse prognóstico quando promoveram alterações nos limites de velocidade. 
O trânsito seguro é um direito de todos e um dever dos órgãos de trânsito (art. 1º do Código de Trânsito Brasileiro). Vale lembrar que o Brasil ocupa ainda um lugar indesejável no ranking de mortes no trânsito. Segundo recente publicação do DATASUS, em 2013 morreram cerca de 43 mil pessoas, o que significa 22 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 3,7 no Reino Unido e 4,1 no Japão, por exemplo. O índice da cidade de São Paulo é de cerca de 11.  Portanto, é obrigação do Estado brasileiro promover a segurança viária, pelo flagelo que representa para as famílias brasileiras, ou ainda pelo custo social associado, hoje em mais de 70 bilhões de reais por ano (valor atualizado do estudo ANTP/IPEA).
Se medidas de redução de velocidade são reconhecidamente no mundo todo benéficas à sociedade, afinal, porque tanto alarido com a medida tomada recentemente pela CET nas marginais Tietê e Pinheiros? Nesta segunda feira (20), jornais, rádios e tvs trataram o tema da maneira mais desprezível possível, dando vozes apenas a motoristas, repórteres de campo e âncoras, totalmente despreparados sobre o tema. Com isso, só se ouviu senso comum. Até a OAB entrou na história para acionar a Prefeitura no Tribunal (!!). Tomara que pelo menos o Tribunal busque mais informações junto ao meio técnico.
Como a apresentação da CET bem elucida, no cálculo do fluxo de veículos há três variáveis intervenientes: velocidade, densidade de tráfego e volume de tráfego. A densidade se mede por veículos por unidade de distância (veículos por quilômetro) e o volume pela quantidade de veículos que passam por unidade de tempo (veículos por faixa de tráfego por hora).  O que importa para a fluidez do trânsito é a passagem da maior quantidade de veículos por unidade de tempo. E o que diz a engenharia de tráfego? Que a velocidade média que produz o melhor resultado é de 50 km/h!
Ocorre que é mais intuitivo para as pessoas que uma maior velocidade leva a uma maior fluidez. Mas isso só é verdade até certo valor de velocidade, que é 50 km/h. A partir desta velocidade, a vazão é menor. O cidadão comum e o motorista acham que a redução de velocidade levará a congestionamento, o que não é verdade. O que leva ao congestionamento é o excesso de veículos na via, quando a densidade de tráfego corresponde a praticamente um veículo encostado no outro. Claro que a imprensa vai captar exatamente esta impressão que, obviamente,a utiliza para engrossar o caldo e negar o benefício da medida. Pena que em cada matéria da imprensa não se deu espaço suficiente para a discussão do essencial: a redução de acidentes e mortes. Deixou-sede esclarecer e de educar, colocando apenas o senso comum (ou preconceito) a dominar o assunto.
As pessoas acham que andando mais devagar vão perder muito tempo. Claro que haverá um aumento de tempo de percurso. Na marginal Tietê, por exemplo, um percurso completo custará, agora, uns 4 a 6 minutos a mais. Mas, a pergunta certa seria se vale a pena aumentar o risco para se ganhar este tempo. A estatística nossa diz que não. Ainda matamos muito mais do que os piores países do mundo e isso é uma vergonha.
Para piorar tudo, vem logo a história da indústria de multa. Uma sociedade que prefere discutir por este ângulo, em vez de discutir o flagelo que o acidente representa para milhares de famílias todos os anos, que consome grande parte dos recursos de saúde (dinheiro público) e que onera a Previdência (dinheiro público), ainda não entendeu o problema. O pior de tudo, ao que parece, é que os grandes canais de comunicação também não, lamentavelmente.
Estamos acostumados a andar mais rápido, é verdade. É um hábito adquirido ano após ano, que terá que mudar, o que vai requerer maior atenção e mais tolerância no começo. Porém, com o tempo, todos se sentirão mais confortáveis, menos tensos e estressados e mais seguros. Os pedestres, os idosos, os ciclistas, os cadeirantes e as crianças, que são os mais vulneráveis no trânsito, irão agradecer.  A cidade para a dimensão humana, eis o nome da canção.

Luiz Carlos Mantovani Néspoli - superintendente da ANTP

A crescente mercantilização da educação

mando jovens para serem apenas força de trabalho e mercadoria


Um grande negócio. É assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educação brasileira.
Em entrevista, o professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ traça um panorama do atual estágio da educação no Brasil, e as conclusões não são nada animadoras.
Para Leher, que tomou posse no dia 03 de julho, os recentes processos de fusões entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criação de movimentos como o Todos pela Educação representam a síntese deste processo.
No primeiro caso, ocorre uma inversão de valores, em que o primordial não é mais a educação em si, mas a busca de lucros por meio de fundos de investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de educação básica em que a classe dominante define forma e conteúdo do processo formativo de crianças e jovens brasileiros.
O movimento Todos Pela Educação é uma articulação entre grandes grupos econômicos como bancos (Itaú), empreiteiras, setores do agronegócio e da mineração (Vale) e os meios de comunicação que procuram ditar os rumos da educação no Brasil.

Para o professor, o movimento se organiza numa espécie de partido da classe dominante, ao pensarem um projeto de educação para o país, organizarem frações de classe em torno desta proposta e criar estratégias de difusão de seu projeto para a sociedade.
“Os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções claras de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano”, observa o professor.
Confira trechos da entrevista a seguir.
Muitos setores denunciam a atual mercantilização da educação brasileira. O que está acontecendo neste setor?
Roberto Leher: De fato há mudanças no que diz respeito à mercantilização da educação, diferente do que acontecia até 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os chamados fundos de investimento.
Como o próprio nome diz, os fundos de investimentos são fundos constituídos por vários investidores, grande parte deles estrangeiros, como fundos de pensão, trabalhadores da GM, bancos, etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negócios em diversos países.
Em geral, os fundos fazem fusões, como é o caso da Sadia e Perdigão no Brasil. Mas é o mesmo grupo que também adquire faculdades e organizações educacionais com o objetivo de constituir monopólios.
Esse processo levou a Kroton e a Anhanguera - fundo Advent e Pátria - a constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, mais do que todas as universidades federais juntas.
O que muda com essa nova forma de mercantilização da educação?
O negócio do investidor não é propriamente a educação, é o fundo. Ele investiu no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores em que eles estão fazendo as aquisições e fusões sejam lucros exorbitantes. É isso que valoriza o fundo.
A racionalidade com que são organizadas as universidades sob controle dos fundos é uma racionalidade das finanças. São gestores de finanças, não são administrados educacionais. São operadores do mercado financeiro que estão controlando as organizações educacionais.
Toda a parte educacional responde à lógica dos grupos econômicos, e por isso eles fazem articulações com editoras, com softwares, hardwares, computadores, tablets; é um conglomerado que vai redefinindo a formação de milhões de jovens.
No caso do Brasil, cinco fundos têm atualmente cerca de 40% das matrículas da educação superior brasileira, e três fundos têm quase 60% da educação à distância no Brasil.
Quais os interesses dessas grandes corporações para além do econômico?
A principal iniciativa dos setores dominantes na educação básica brasileira é uma coalizão de grupos econômicos chamada Todos pela Educação, organizada pelo setor financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o conjunto da sociedade brasileira.
Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções claras de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano.
Em última instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer com que a juventude seja educada na perspectiva de ser um fator da produção. Essa é a racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas.
A aparência é de que estão preocupados com a alfabetização, com a escolarização, com o aprendizado, etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão mercadorias, apenas força de trabalho.
De que maneira eles interferem nas políticas educacionais do Estado?
Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas políticas de Estado. O Todos pela Educação conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado, inicialmente por meio do Plano Nacional de Educação (PNE) - que aliás foi homenageado com o nome Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, em referência ao movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que está vigente.
Articulam por meio de leis, mas também da adesão de secretários municipais e estaduais às suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas, como o programa de ações articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto para o desenvolvimento da educação municipal, tem que implicitamente aderir às metas do movimento Todos pela Educação.
Temos um complexo muito sofisticado que coloca em relação as frações burguesas dominantes, as políticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta agenda educacional.
Mas como se dá isso na prática?
Quando um município faz um programa de educação para a sua região, ele já deve estar organizado com base no princípio de que existe uma idade certa para educação, que os conteúdos não devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles chamam de competências, que o professor não deve escapar deste currículo mínimo que eles estão desenvolvendo por meio de uma coerção da avaliação.
A escola que não consegue bons índices no Idep [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] é penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras pressionadas por esses índices acabam sucumbindo às fórmulas que o capital oferece. A mais importante delas é comprar sistemas de ensino, apostilas, que são fornecidos pelas próprias corporações.
O professor está em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizados que foram feitos pela corporação, e na prática, em lugar do professor desenvolver um papel intelectual, criador, ele tem que ser muito mais um aplicador das cartilhas, um entregador de conhecimento, e isso obviamente esvazia o papel do professor, o que tem consequências diretas sobre o processo de formação.
A formação esperada do educador não é uma formação enquanto intelectual, mas sim como alguém que sabe desenvolver técnicas para aplicar aquelas pacotes que as corporações preparam.
E há resistências a isso?
Existe um complexo de situações onde as resistências, as tensões são muito grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso é muito difuso. As resistências acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve criticando a chamada “meritocracia”, os sistemas de avaliação.
Aparecem aqui e ali, mas é forçoso reconhecer que existe um complexo de controle sobre as escolas que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores da educação para desenvolverem um projeto pedagógico autônomo e crítico.
Essa situação é agravada quando a própria direção da escola, que deveria pensar como a escola se autogoverna, vem sendo ressignificada como um papel de gestão. O diretor e os coordenadores são pensados como gestores na lógica de uma empresa, que deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas as formas.
Temos uma mudança de referências quando a própria equipe de coordenação da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Pátria Educadora há uma possibilidade de punição dos professores que não cumprirem as metas.
Blog do Planalto / Fotos Públicas

Formatura de 1.200 estudantes do Pronatec em Belém do Pará, em abril de 2014
Por sinal, o Pátria Educadora é um dos programas carro chefe do governo federal. Como você avalia este documento?
Não casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um diagnóstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities se esgotou com a crise mundial, com seus preços despencando depois daquele período de ouro entre 2004 e 2009.
Com a desvalorização dessas commodities, Mangabeira chama atenção para o fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de inserção na economia mundial que não seja apenas de commodities.
E a minha hipótese é que eles estão sinalizando nesse documento que o Brasil deveria ser uma espécie de plataforma de exportação, assim como já existe na fronteira norte do México e em alguns países asiáticos - o modelo chinês foi isso nos anos 90, de ser um local em que a força de trabalho é muito explorada, recebe um treinamento específico que permite uma exploração muito grande, e esses países entram em circuitos de produção industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens comparativas: baixo custo de energia, da força de trabalho, baixa regulamentação ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao país.
O drama é que a concepção do Pátria Educadora tem como correspondência a ideia de que a formação da maior parte da força de trabalho no Brasil deve ser por um trabalho mais simples, e isso tem consequências pedagógicas muito grande.
Se é para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas podem ser instituições estruturadas para a formação de um trabalho de menor complexidade, o que se desdobraria em processos de formação técnica de cursos de curta duração, cujo exemplo mais conhecido é o Pronatec, em que grande parte dos cursos são aligeirados para a formação de uma força de trabalho simples - tanto aquela que já estará inserida no mercado quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exército industrial de reserva.
O documento Pátria Educadora altera a racionalidade da organização da escola quando vislumbra escolas que vão formar forças de trabalho de menor complexidade. É importante destacar que no documento encontramos uma formulação muito perigosa com enormes consequências para o futuro da educação brasileira, que é a referência que o Mangabeira faz da adoção de um modelo tipo SUS (Sistema Único de Saúde).
O que seria isso?
O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento à saúde de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo órgãos públicos quanto pelas entidades privadas.
Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente está sinalizando que a formação do conjunto da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta democratização, realizada tanto pelas instituições públicas quanto pelas organizações privadas.
Isso é congruente com o PNE aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba pública é aquela utilizada nas instituições públicas, mas também em todas as parcerias público-privadas, como o FIES, PROUNI, Ciência Sem Fronteiras, PRONATEC, Pronacampo, sistema S, tudo isso entra como recurso público.
A rigor, estamos diante de uma política que pode indiferenciar as instituições públicas e privadas em detrimento do público, já que as corporações também se acercam da educação básica.
Em setembro acontecerá o 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), em Brasília. Como o Enera se insere nesta conjuntura?
Tenho uma expectativa muito positiva em relação ao segundo Enera. No primeiro Enera tivemos a constituição de outra perspectiva pedagógica para a educação brasileira, que foi a Educação do Campo, uma conceituação do que seria uma educação pública voltada para o campo, mas com um horizonte de formação humana que ultrapassa o campo.
Foi certamente uma proposta que promoveu sínteses brilhantes entre uma perspectiva crítica que vem do campo marxista, da ideia da escola unitária, do trabalho, ao compreender que o trabalho deveria ser um elemento simbólico, imaginativo, capaz de nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola é o lugar da cultura, da arte, da ciência, da tecnologia, e não uma instituição livresca. É uma instituição que tem interação com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produção real da cultura em diversos espaços, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.
Foi uma proposta pedagógica que promoveu sínteses incorporando pensamento crítico marxista, tradição latino-americana de educação popular, particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedagógico socialista.
O segundo Enera, a meu ver, está desafiado pela conjuntura a fazer um balanço do que foi essa mercantilização e de como o capital está tentando se apropriar do conjunto da educação básica.
Ao fazer essa reflexão, certamente o Enera vai ajudar a criar bases para uma perspectiva de educação pública unitária capaz de contrapor a educação frente à lógica de movimentos empresariais como o Todos pela Educação.
Pode haver incorporações de elementos novos na nossa reflexão sobre a pedagogia socialista que respondam aos desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo respondam aos anseios que estão pulsando em todo o país em torno da educação pública.
Como as últimas greves na educação?
Podemos problematizar a fragmentação das lutas pela educação, o fato de que muitas vezes são lutas econômicas e corporativas, que estão vinculadas às políticas municipais e estaduais, mas não tenho dúvidas de que essas lutas que estão pulsando no país estão enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a racionalidade das competências e dos sistemas centralizados de avaliação, o uso de cartilhas.
Temos críticas reais a essa lógica de controle que o capital está buscando sobre a educação básica, mas precisamos sistematizar isso com outros fundamentos pedagógicos, e aprofundando a experiência que foi construída a partir do primeiro Enera.
No segundo Enera acredito que novas dimensões para essa pedagogia socialista vão ser esboçados, e não como o resultado de um processo em que os especialistas de educação do MST vão se reunir e pensar o que seria essa agenda.
Ao contrário, como resultado de uma articulação de movimentos que estão fazendo educação pública e estão buscando uma educação criativa, que estão fazendo as lutas de resistências com as greves, mobilizações, com a participação de estudantes.
Esta riqueza de produções que estão em circulação nas lutas em defesa da educação pública que podem criar uma sistematização maior. Cria condições para que possamos ampliar esta aliança entre experiências da luta urbana com as que vêm do campo, produzindo novas sínteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora tenha sua própria agenda para o futuro da educação pública.
É um processo longo e exigirá um esforço organizativo e intelectual de enorme envergadura. Temos que ter uma produção pedagógica mais sistematizada, mais profunda, para criarmos a base desse pensamento pedagógico crítico, que assegure uma formação integral, mas uma educação que recusa a divisão dos seres humanos em dois grupos: um que pensa e manda, outro que executa e obedece.
Essas bases para uma proposta socialista estão sendo gestadas nas lutas, mas com o Enera podemos ganhar um momento de qualidade no terreno da elaboração, articulação e organização em defesa desse projeto de novo tipo.

Entrevista original publicada no site Brasil de Fato

domingo, 12 de julho de 2015

Domenico De Masi fala sobre a economia do Brasil: imperdível

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1623474-intelectual-brasileiro-tem-mentalidade-de-terceiro-mundo-diz-sociologo.shtml?cmpid=compfb

"No mundo, 85 pessoas, incluindo 12 brasileiros, têm a riqueza de 3,5 bilhões de pessoas. Esses 85 bilionários podem ter duas, três, dez Ferraris, mas não vão comprar 3,5 milhões de calças, vestidos e sapatos. O consumo cai, a produção cai junto.
Na verdade, a maioria das 85 pessoas mais ricas do mundo é formada por ladrões de impostos. Eles sonegam impostos e, quando pagam, o fazem na Holanda, onde são mais baixos.
São pessoas que financiam campanhas eleitorais em barganha por leis que os favoreçam. E isso alimenta o ciclo da desigualdade.
É uma vendeta. O neoliberalismo da era Thatcher inverteu as coisas: a luta de classes dos pobres contra os ricos se tornou a luta dos ricos contra os pobres."