terça-feira, 1 de abril de 2014

O cordão da ditabranda cada vez aumenta mais

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Há um debate importante na sociedade que precisa encontrar uma conclusão. Ele diz respeito ao fenômeno do uso da violência contra a democracia. Antonio Lassance, via Carta Maior Há um debate importante na sociedade que precisa encontrar uma conclusão. Ele diz respeito ao fenômeno do uso da violência contra a democracia. Seja dentro ou fora de manifestações, seja praticada por grupos de direita ou de esquerda, o debate é sobre o nível de repúdio e condenação que se deve empregar contra quem usa a violência não como autodefesa, mas como meio de afirmação política. Esse é o debate que deveria estar por trás da chamada lei antiterrorismo (Projeto de Lei do Senado nº 499, de 2013). A proposta ficou perambulando no Legislativo, sendo no meio do caminho envenenada pela mídia tradicional, com o auxílio luxuoso dos que trazem uma memória seletiva da velha ditadura de 1964. O tema deveria mobilizar uma ampla parcela dos cidadãos, pois interessa a todos. Tudo o que mexe com a vida e a liberdade de cada cidadão precisa, antes, ser profundamente debatido. Ao mesmo tempo, em uma democracia, não se faz debate pelo debate. O que se pretende e se deve fazer é chegar a uma conclusão e tomar uma decisão amplamente respaldada. Não é o que se vê, porém, na discussão da lei antiterrorismo. A questão está diante de dois graves riscos. Um é o de se tomar decisões erradas, aprovando uma lei mal feita. O outro risco vai em sentido contrário. É o risco de que esse debate seja simplesmente abandonado, com a grave consequência de se manter um entulho autoritário, a Lei de Segurança Nacional. A democracia e a cidadania clamam por um meio termo. Acirrado e federalizado desde a morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade, o debate sobre a lei antiterrorismo acabou sendo açodado. Na base do oito ou oitenta, ficamos entre os que quiseram aprovar a lei a toque de caixa e os que foram ao êxtase ao defender que a nova lei seria mais dura do que a famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). A LSN existe no Brasil desde 1935, forjada na esteira da dura repressão de Vargas contra a Aliança Nacional Libertadora, contra os partidos e organizações de esquerda. Acabou servindo depois a todo o período da Guerra Fria, incluindo o que compreende a ditadura de 1964. Tal lei foi sucessivamente modificada, em 1969, 1978 e 1983. É uma lei das ditaduras, pelas ditaduras e para as ditaduras. Os adeptos da ditabranda saborearam o tema com um sorriso nos lábios. A turma da ditabranda é aquela que defende a tese de que a ditadura instaurada em 1964 não foi lá tão dura assim, comparada à de países vizinhos. Que a ditadura brasileira foi diferente da chilena e da argentina, é fato. Daí dizer que ela foi “branda” vai uma distância imensa. Enfim, pelos argumentos dos defensores da ditabranda, a legislação em vias de ser aprovada no Senado seria mais dura que a LSN. Não só defensores da ditabranda, mas muitos que repudiam aquele regime distribuíram a esmo o artigo de Elio Gaspari, “A histeria dos comissários”, que segue essa linha de ataque. Foi publicado em O Globo e na Folha de S.Paulo. O problema é que o artigo de Gaspari traz “erros” banais que só interessam a quem quer e gosta de banalizar a ditadura. Vale a pena indicar tais erros para evitar que o cordão da ditabranda cada vez aumente mais. Um “erro” elementar foi ter acusado o senador Paulo Paim (PT/RS) de ser o autor do projeto da lei antiterrorismo. Não é. O “erro” poderia ter sido facilmente evitado com um mínimo de apuração jornalística. Sendo o jornalista sabidamente experiente, ficam as aspas sobre o “erro”, de modo a manter uma saudável dúvida quanto ao deslize. Afinal, uma das profissões de fé de Gaspari é tratar os governos do PT (Lula e Dilma) como um regime de “comissários”, os quais, a qualquer momento, podem implantar uma ditadura. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, é o que está encravado nas entrelinhas de seus artigos. Diz Gaspari que, enquanto a proposta em trâmite no Congresso prevê penas que vão de 15 a 30 anos de prisão, a LSN previa, para crimes similares, penas de 8 a 30 anos. Nesses termos, se o pior de uma ditadura se mede pelo tempo de pena, vamos chegar à conclusão de que a mais ditatorial de nossas leis é o Código Penal, que prevê penas ainda mais duras, de 20 a 30 anos, por exemplo. Vamos ter que incluir o Canadá na lista de ditaduras cruéis das Américas. O país acaba de transformar em crime o uso de máscaras em manifestações. Um mascarado pode ser condenado a passar até 10 anos preso, seja vestido de Batman ou de Homem Aranha. Isso é que é ditadura! Muitos passaram batidos pela mais imaculada de todas as frases do artigo de Gaspari sobre a brandura da Lei de Segurança Nacional: Caso o delito resultasse em morte, a pena seria de fuzilamento. Apesar de ter havido uma condenação, ninguém foi executado dentro das normas legais”. Vale a pena ver de novo: “ninguém foi executado dentro das normas legais”. Mais uma vez, só para reforçar: “ninguém foi executado dentro das normas legais”. Isso é que é ditadura. “Ninguém foi executado dentro das normas legais”. Éramos felizes e não sabíamos. A LSN de 1969, se alguém se der ao trabalho de lê-la direto na fonte, para entender do que se tratava sem precisar de intermediários, verá que ela prevê, em caso de morte de algum agente da repressão, desde a prisão perpétua, “em grau mínimo”, até a pena de morte, “em grau máximo” (artigos 80 a 107). Mas fiquemos tranquilos. Na ditadura cinquentenária, ninguém foi executado. Não legalmente. Que bom saber disso! De repente, não mais que de repente, parece que ser contra o terrorismo é que se tornou antidemocrático. De repente, não mais que de repente, a mesma legião de articulistas e comentaristas que defendeu, histérica e macarronicamente, a extradição de Cesare Battisti (acusado de terrorismo na Itália) resolveu ser contra a lei antiterrorismo. O Congresso discute faz tempo a proposta de legislação antiterrorismo. Falhou, como tem falhado, ao deixar o assunto se arrastar inconcluso. Tem sido assim com muitos outros assuntos que aguardam regulamentação. Nada disso deve nos levar a tirar conclusões erradas, que sepultem um debate extremamente importante. O Brasil precisa sim de uma lei antiterrorismo para sepultar de vez a LSN. É preciso colocar em seu lugar uma lei que proteja as pessoas da violência e que faça jus ao que diz o art. 5º. da Constituição, que equipara a condenação ao terrorismo à condenação da tortura. É disso que se trata e é nisso que a proposta que tramita no Congresso está longe de atender. Ela ainda é genérica o suficiente para deixar margem ao perigo da discricionariedade tanto de juízes quanto do guarda da esquina. O tema é delicado como nitroglicerina e deve se lidar com todo o cuidado do mundo, mas sem que seja deixado de lado, esquecido. Muito menos o assunto deve servir de pretexto para fazer aumentar o cordão da ditabranda. Às vésperas dos 50 anos da dita cuja, é preciso rechaçar a todo o momento as tentativas reiteradas, reeditadas e em liquidação de se mascarar a lógica daquele tenebroso regime de exceção. Um regime em que as normas eram apenas para Inglês ver. Um regime em que, sabidamente, a verdadeira lei era ditada no cárcere e cumprida por tribunais compostos por torturadores.

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