http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-eleicao-de-2014-no-Brasil-e-o-reposicionamento-geopolitico-dos-EUA/4/30924
Porto Alegre - Pela primeira vez na história da democracia
brasileira temos um governo de centro-esquerda tão longo, construído a partir do
centro político e conduzido pelo PT. Agora, o desafio do PT e do governo Dilma
é, ao mesmo tempo, manter esse centro político e construir uma nova agenda
social para a classe trabalhadora do país. A avaliação é do economista Marcio
Pochmann, ex-presidente do IPEA e atual presidente da Fundação Perseu Abramo,
que participou de um debate segunda-feira à noite, no Hotel Everest, promovido
pelo mandato do deputado federal Pepe Vargas (PT/RS).
Pochmann fez um
balanço sobre o período de doze anos dos governos Lula e Dilma, falou sobre os
desafios que estão colocados para a continuidade desse projeto nos próximos anos
e analisou o cenário internacional no qual se dará essa disputa, em especial no
que diz respeito às relações entre Brasil e Estados Unidos.
Para
contextualizar a natureza desses desafios, Marcio Pochmann situou a posição do
Brasil hoje no mundo. “O Brasil não é um país do centro dinâmico capitalista.
Não temos uma moeda forte internacionalmente, não temos uma produção tecnológica
de peso, a nossa participação em patentes é muito débil e também não temos
forças armadas de grande peso”. Ou seja, apesar de o protagonismo internacional
do país ter aumentado significativamente nos últimos anos, o Brasil segue sendo
um país da periferia capitalista e é neste contexto que os desafios para o
futuro devem ser pensados.
O economista atribuiu o sucesso do projeto
atualmente no comando do país ao grande grau de mobilização e enraizamento
social do PT e à fragmentação da classe dominante provocada pelas políticas
neoliberais. Esse quadro, assinalou Pochmann, permitiu que o PT chegasse ao
governo federal com uma maioria política muito fragmentada e tendo que lidar com
uma série de contradições geradas pelo neoliberalismo. Isso aconteceu também em
virtude de uma nova relação adotada com o centro político. “Nós aprendemos com
movimentos políticos anteriores, como o de João Goulart, que tentaram fazer
reformas no Brasil, mas foram interrompidos pelas classes dominantes. Essas
tentativas nos tornaram mais cuidadosos quanto às fragilidades da democracia no
Brasil. A estrutura do nosso Judiciário é praticamente a mesma do tempo da
ditadura. O Legislativo hoje, em todas as suas esferas, dá golpes no poder
Executivo, caso esse afronte os interesses dominantes”.
Esse aprendizado
com derrotas anteriores e a decisão de incorporar o centro político tiveram como
uma de suas contrapartidas, assinalou ainda Pochmann, a necessidade de fazer uma
série de concessões. “Temos uma democracia com problemas, com uma representação
extremamente desigual. Um exemplo disso é o peso dos proprietários de terra no
Congresso. Apesar desses limites e problemas, o PT está há 12 anos no governo
federal e procurou fazer uma polarização mais avançada, mas sempre preservando o
centro”. Para Pochmann, as três principais conquistas desse período foram as
seguintes:
1. Reposicionamento do Brasil no mundo. O Brasil é hoje uma
referência internacional. O país inventou outra diplomacia que, entre outras
coisas, perdoou a dívida de países mais pobres e estabeleceu acordos de
cooperação técnica. Nós mudamos o padrão de nossas relações comerciais,
fortalecendo o eixo Sul-Sul. Nossas Forças Armadas estão firmando parcerias,
como ocorreu agora com a Suécia no caso da compra dos caças, que envolvem
transferência de tecnologia. Em parceria com França e Argentina, estamos
construindo submarinos nucleares. Na licitação do campo de Libra, firmamos
relações com chineses e franceses. Tudo isso expressa uma mudança significativa
na política de inserção internacional do Brasil.
2. Construção de uma
nova estratificação social. O salário mínimo aumentou mais de 70% em termos
reais. Houve uma expansão do trabalho com a criação de 22 milhões de novos
empregos, 90% deles com a carteira assinada. A média salarial do país, embora
ainda seja baixa, chegou a dois salários mínimos, o que significou uma
expressiva mudança na inserção social e econômica de milhões de
pessoas.
3. Reinvenção do mercado. Hoje temos de 10 a 12 políticas
públicas voltadas para pequenos empreendimentos, cerca de 4 milhões de
microempreendedores individuais, que têm acesso a políticas de compras públicas
e de microcrédito.
O reposicionamento dos EUA no cenário
mundial
Ao contextualiza o cenário internacional no qual se dará a
disputa eleitoral este ano Brasil, Pochmann destacou como tema central o
reposicionamento dos Estados Unidos. “Desde 2008, os Estados Unidos estão com um
problema sério e olham para a China cada vez com mais atenção. Os EUA estão
deixando o Iraque e o Afeganistão em segundo plano e se preparando para
enquadrar a China e também os BRICs. Além disso, estão enfrentando a crise
energética apostando no xisto e ganharam em competitividade com a redução do
custo de sua mão-de-obra nacional. Hoje, os EUA querem se livrar do Iraque e do
Afeganistão e se concentrar na China”.
Neste cenário, acrescentou
Pochmann, a eleição de 2014 no Brasil é chave para os Estados Unidos. Não é
pouca coisa que está em jogo no futuro político do país. “O ataque que a
Petrobras vem sofrendo não é só eleitoral, mas tem também um elemento de disputa
comercial dramático. O Brasil precisa ter grandes empresas, públicas e privadas,
para assumir uma posição menos periférica em um mundo onde as grandes
corporações econômicas são responsáveis por dois terços dos investimentos em
novas tecnologias. Além isso, precisa também construir um grande bloco de
investimentos, como tivemos com Getúlio e JK, com capacidade de coordenar o
investimento privado no país”.
Tarefas para o futuro
O economista
apontou, por fim, algumas tarefas que o PT e seus aliados têm no próximo período
para garantir a continuidade e o avanço do atual projeto. Entre elas,
destacou:
Construção de uma nova agenda para a classe trabalhadora: temos
um grande crescimento de trabalhadores no setor de serviços, de trabalho
imaterial. Cerca de 22 milhões de pessoas entraram no mercado de trabalho e que
não foram para os sindicatos. Nós temos um outro tipo de trabalho hoje, com
grande expansão do trabalho imaterial, onde as pessoas estão conectadas 24 horas
por dia. Não sei se as instituições que temos hoje são portadoras de uma agenda
para o futuro. Tivemos cerca de 40 milhões de pessoas que ascenderam
socialmente. Esse é um segmento em disputa.
Revolução na Educação: por
que o filho do pobre tem que entrar no mercado de trabalho antes de terminar a
universidade? O país precisa desenvolver um sistema de educação contínua, uma
educação para a vida toda. Todas as grandes empresas brasileiras têm hoje uma
universidade corporativa. Elas têm a consciência de que é preciso aprender e
capacitar durante toda a vida. As pessoas estão vivendo mais e trabalhando até
mais tarde. Cerca de um terço dos aposentados e pensionistas estão
trabalhando.
Jornada de Trabalho: é preciso uma CLT de novo tipo para os
trabalhadores do setor imaterial (serviços). Cada vez mais as pessoas estão
trabalhando muito em casa e estão trabalhando mais. Nada disso está
regulamentado.
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